quinta-feira, 7 de novembro de 2013

A luta pelo jornalismo social na visão de Eduardo Sá


Postado As:  07:07  |  Em:  


Gabriel Oliveira 

Com um viés crítico e popular, e a premissa de dar voz aos que nem sempre têm espaço nos veículos tradicionais, o jornalismo alternativo colabora com uma proliferação de vozes fundamental para a democratização da mídia no Brasil. É o que pensa Eduardo Sá, repórter e editor de cultura e cotidiano do Fazendo Media, veículo alternativo criado por estudantes da Universidade Federal Fluminense em 2003. Hoje como editoria da revista Vírus Planetário, e com um site próprio, o Fazendo Media possui histórico de matérias que privilegiam a função social do jornalismo, ao mesmo tempo em que procuram analisar a cobertura da grande mídia. 



Eduardo Sá acredita na comunicação com viés crítico. Na foto ele entrevista o jornalista e escritor Zuenir Ventura/ Foto: Arquivo pessoal 


Sá entrou para o grupo em 2007, quando ainda era estudante de jornalismo. De lá para cá, já participou da cobertura das remoções ocorridas nas favelas do Rio de Janeiro e acompanhou o dia a dia de detentos em carceragem da Polinter, entre outros trabalhos. Sempre adepto do jornalismo atento às causas populares, o jornalista é uma referência de quem resolveu fazer diferente e comemora o crescimento das iniciativas independentes nos últimos anos. Para ele o ponto chave nesse processo foram os avanços tecnológicos proporcionados pela internet. Confira essas e outras afirmações do jornalista em entrevista concedida para o blog do Controversas. 


Há quanto tempo você entrou para o Fazendo Media e qual foi sua principal motivação para fazer parte deste projeto? 
Entrei no Fazendo Media em 2007. Estava no segundo período do curso de jornalismo e encontrei por acaso o jornalista Marcelo Salles, fundador do projeto, nos corredores, após uma palestra sua na aula de um professor que era meu coordenador no jornal Laboratório. Ele me apresentou o projeto e desde então me apaixonei pela ideia. Sempre acreditei no jornalismo crítico e atento às causas populares, aspecto que não observo nos meios de comunicação comerciais.


Atualmente, você atua como repórter e editor de Cultura e Cotidiano no Fazendo Media. Como é conciliar essas duas funções? 
Na prática, o Fazendo Media não tem uma distribuição de tarefas amarrada. Há alguns anos, com a participação mais efetiva dos integrantes, dividimos algumas demandas, mas o trabalho sempre foi bem colaborativo. Todos se ajudam na medida do possível. A partir de 2009 me tornei editor do impresso, mas sempre fiz reportagens e outras atividades. Atualmente faço algumas entrevistas, reportagens e ajudo na atualização do site e do Facebook, mas com muitas dificuldades, porque o Fazendo Media não é meu trabalho oficial. 


Há quanto tempo o Fazendo Media existe? Como o projeto é financiado? 
O projeto foi criado por estudantes da Universidade Federal Fluminense (UFF), em 2003. Começou na TV Universitária e ganhou forma no Fórum Social Mundial. Sempre resistiu nessa caminhada graças à ousadia e persistência de estudantes muito interessados em apresentar olhar mais informativo. Para o nosso jornal mensal circular durante anos foi preciso muito esforço da equipe. Arrumamos apoio na Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet), sindicatos e movimentos solidários, além da caixinha depositada pelos integrantes, que sempre trabalharam de forma voluntária. Só em 2010 o trabalho foi reconhecido com a premiação no edital do Ponto de Mídia Livre, do Ministério da Cultura. Com esse recurso garantimos uma remuneração simbólica para poucos colaboradores e a sustentação do projeto. Em 2011 ganhamos novamente o mesmo edital, de âmbito nacional, e nos unimos à revista Vírus Planetário. Como todos os estudantes se formaram e estão empregados, alguns deles em meios alternativos, não tínhamos mais condições de tocar o projeto. Unimos forças com outro coletivo no Rio e hoje temos uma editoria em sua revista mensal. 


Das coberturas que você participou, quais foram as mais marcantes? 
Com o Fazendo Media acompanhei muitas injustiças no Rio de Janeiro, apurei minha visão política e cultural sobre muitas questões. A formação na rua e a reportagem de campo são essenciais para qualquer profissional da informação. Além da minha cobertura sobre o tema de remoções em favelas no Fazendo Media, que de tanto material acabou se tornando um livro-reportagem de finalização do meu curso de jornalismo, minha passagem pelas carceragens do Rio de Janeiro também foi marcante. Fiquei quatro meses indo às delegacias da Polinter e reforcei meu olhar sobre o injusto sistema em que vivemos. Uma justiça altamente seletiva na qual os pobres, em sua maioria negros, são quase sempre os maiores punidos. Minha viagem pelo Fazendo Media a Brotas de Macaúbas (BA), cidade onde Carlos Lamarca foi assassinado, também foi muito interessante. 


Em sua experiência como repórter, quais as principais diferenças que você aponta entre as coberturas das mídias alternativas e a das hegemônicas?
Varia de pauta para pauta, mas de uma forma geral vejo a questão da linguagem e a seleção informativa. A mídia alternativa possibilita uma forma de comunicação mais popular, e dá voz a pessoas que normalmente não interessam aos meios tradicionais. A imprensa independente muitas vezes quebra o pensamento único e aponta outros caminhos. A diferença não está só na escolha da pauta, mas também nas pessoas escolhidas para falar. Os interesses comerciais de grandes veículos na maioria das vezes impossibilitam uma informação que reflita os anseios das camadas da sociedade mais desfavorecidas. 


Que outros projetos de mídia alternativa você destaca? 
Felizmente, tem aumentado o número de iniciativas independentes com os avanços tecnológicos proporcionados pela internet, mas não há uma disputa por hegemonia. O poder dos meios tradicionais ainda é avassalador, inclusive na internet, não nos iludamos. Destaco as revistas Caros Amigos e Fórum e Retrato do Brasil, que já estão há alguns anos na estrada; a revista Vírus Planetário, que tem um pessoal jovem interessado e fazendo um bom trabalho, com uma boa repercussão nas mídias sociais. Tem o jornal Brasil de Fato, que vem ganhando força e reconhecimento, e recentemente lançou edições regionais, em destaque a do Rio de Janeiro. Na internet tem a Carta Maior, cujo número de leitores cresce cada vez mais. Há também diversos blogueiros que têm se destacado. São muitas iniciativas e a tendência é de crescimento, o que é saudável para a democratização da mídia no país. 


Nas manifestações que se espalharam pelo país este ano, houve alguns episódios de hostilidade com repórteres de grandes veículos. A que você atribui essa postura da parte dos manifestantes, e qual a sua avaliação sobre essa atitude? 
Não sou a favor da agressão a jornalistas, pois creio que a violência não resolve o problema da forma como as coberturas são feitas, em que muitas vezes os repórteres prestam um serviço de desinformação por temerem bater de frente com seus chefes. É uma pena que muitos deles reproduzam o interesse da empresa sem nenhum senso crítico, seja por má fé ou insegurança de perder o emprego. É revoltante ver casos em que a imprensa reproduz preconceitos, estereótipos e, às vezes, chega a mentir mesmo. Por essa razão algumas pessoas tomam essas atitudes desesperadas, mas sempre infrutíferas. 


Você acredita que, juntamente com a onda de manifestações, este é o momento em que as mídias alternativas podem se consolidar como uma nova voz nos meios de comunicação? 
A credibilidade da mídia hegemônica está cada vez mais deteriorada, e o debate sobre essa questão tem atingido, gradativamente, mais setores da sociedade. Um trabalho histórico de muitos movimentos que lutam pela democratização da comunicação está cada vez mais evidente. O debate está aberto e as manifestações estão potencializando essa necessidade. Centenas de milhares de pessoas passaram a acompanhar veículos que até então lhes eram desconhecidos. A mídia alternativa só tem a ganhar. É preciso persistir nessa luta e buscar formas de sustentação para os projetos, ainda que no Brasil estejamos longe de ter veículos alternativos populares, que possam disputar a hegemonia com a imprensa tradicional de modo mais igualitário. 


No caminho para a democratização da informação, quais os avanços que você destaca nos últimos anos e o que ainda precisa ser feito? 
É inegável o papel da internet, que ajudou bastante nessa pluralização da informação. As mídias sociais, por exemplo, foram um canal importantíssimo na cobertura das últimas manifestações. Um exemplo muito interessante que está sendo construído no Brasil é a Agência Pública, que trabalha com uma dinâmica colaborativa importada de outros países. É uma proposta bastante inovadora e que tem feito um trabalho extremamente sério, com reportagens investigativas de muita qualidade. Adotaram um sistema de captação de recursos diretamente com os leitores, de modo a viabilizar a produção dos conteúdos. Com esse dinheiro arrecadado, selecionam alguns projetos financiados pelas suas “bolsas". Tudo isso para ser reproduzido gratuitamente na internet. Esse é um caminho a ser seguido e tem tudo para dar certo. Em relação ao que precisa ser feito, acho que a mídia alternativa tem que se debruçar mais na parte de produção audiovisual, porque esta é a linguagem da internet. Por outro lado, também sou a favor das publicações impressas. A edição regional do Brasil de Fato é um caminho interessante a ser trilhado, com exemplares em massa distribuídos gratuitamente e com uma linguagem acessível. 


Você observa nos profissionais da grande mídia um conflito ético a respeito do próprio trabalho? Há também aqueles que adotam um discurso de defesa desses veículos?
Muitos se identificam ideologicamente de forma clara e convicta, o que é, de certa forma, uma postura honesta, ainda que eu ache um desserviço em muitos casos. Outros até gostariam de apresentar outras narrativas, mas não conseguem por falta de condições. Para entrar numa empresa dessas é preciso ser qualificado tecnicamente, mas a engrenagem limita as formas de se fazer jornalismo. São poucos os que conseguem realizar um trabalho mais crítico, e estes sempre enfrentam muitas dificuldades. O modelo atual está formatado operacional e ideologicamente para a superficialidade e o imediatismo, com pré-definições muitas vezes distantes dos fatos. Isso vai desde a escolha da pauta até a definição das palavras e fontes no fechamento da matéria. Um exemplo claro disso é o tratamento dos meios de comunicação aos movimentos sociais nas últimas décadas. É preciso repensar essa estrutura.






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