Gabriel Oliveira
Mesa de abertura do Controversas discutiu o que são mídias alternativas, seu funcionamento e o retorno financeiro na área/Foto: Mayara Mendes |
Uma visão jornalística a partir do hemisfério sul
Beatriz Bissio lembrou da trajetória da revista Cadernos de Terceiro Mundo: perseverança na manutenção do projeto/Foto: Mayara Mendes |
“Quando a nossa revista surgiu, a América do Sul estava mergulhada em regimes ditatoriais, o que tornava ainda mais difícil um projeto de jornalismo alternativo. Em função disso, íamos de um país para outro, pois éramos sempre expulsos. Mas nós éramos realmente muito teimosos e, por isso, nunca abrimos mão do projeto”, contou.
Beatriz também traçou um paralelo entre a Cadernos de Terceiro Mundo e o jornal Correio Braziliense. O principal ponto em comum dos veículos consistia no fato de ambos terem sido fundados por brasileiros num cenário de exílio: enquanto o jornal surgiu na Inglaterra pelas mãos de um brasileiro, a revista de Beatriz foi fundada em Buenos Aires, por conta da forte repressão da época no Brasil. O lançamento da revista configurou ainda o pioneirismo do trabalho em rede, pois contava com uma equipe de jornalistas de diversos países que trabalhavam de forma colaborativa na elaboração de pautas, diversificação de fontes e execução de grandes reportagens, como lembrou a jornalista.
Além dessas caraterísticas, uma das propostas centrais do veículo era oferecer uma visão de mundo diferente da oferecida pelos grandes veículos da época. “A mídia tradicional sempre abordava o cenário político e econômico sob a perspectiva dos países do hemisfério norte. A nossa proposta então foi mostrar como esses assuntos afetavam os países daqui do Cone Sul”, apontou Beatriz.
A jornalista criticou o cenário de dependência dos jornais pelas agências de notícia internacionais e ressaltou que a situação hoje é ainda mais alarmante do que no período logo após o surgimento da Cadernos de Terceiro Mundo. “A informação é cada vez mais controlada por um pequeno número de empresas que, além de atuarem na área da comunicação, estão presentes também na área de finanças, o que agrava essa situação de monopólio. Esses grupos disseminam a informação da forma que querem e esse conteúdo divulgado pelas agências raramente passa por uma checagem”, enfatizou.
A formação de profissionais por meio do trabalho social
Erika Tambke iniciou sua participação no Controversas destacando o trabalho desenvolvido pela agência Imagens do Povo, programa sócio-pedagógico do Observatório de Favelas. Ela lembrou que um dos grandes objetivos da agência é oferecer um outro olhar sobre as favelas do Rio de Janeiro, enfatizando aspectos positivos, que quase sempre são negligenciados pela grande imprensa.
Erika Tambke destacou o diferencial da agência Imagens do Povo: "quebramos esteriótipos"/Foto: Mayara Mendes |
Ao responder a pergunta central da mesa, feita pela professora e mediadora Carla Baiense, Erika afirmou ser possível ganhar dinheiro com o trabalho na mídia alternativa, mas salientou que nem todos conseguem ter nessa atividade a única fonte de renda. “Os nossos fotógrafos mais experientes já estão no mercado de forma que ultrapassa os vínculos com a nossa agência e, por isso, conseguem viver exclusivamente da fotografia.” Entretanto, a fotógrafa ressaltou que mesmo no mercado editorial existe uma crise no que concerne à oferta de empregos, destacando que a escassez de oportunidades se faz presente também na imprensa tradicional.
A atuação colaborativa com as rádios comunitárias
Recém-integrada à equipe de repórteres do jornal Brasil de Fato, Gilka Resende preferiu falar sobre sua atuação na agência Pulsar Brasil, grupo que faz parte do movimento das rádios comunitárias e produz conteúdo em áudio e texto para outras emissoras e veículos alternativos.
A respeito do trabalho na Pulsar, onde está desde 2007, Gilka frisou que a agência representa mais uma das diversas facetas das mídias alternativas e que a colaboração com as rádios comunitárias está mais focada na geração de conteúdos para esses meios do que numa atuação articulada com eles. “Eu costumo dizer que nós trabalhamos mais para as rádios comunitárias do que com elas. O que procuramos fazer é fortalecê-las oferecendo um conteúdo jornalístico, valorizando sempre questões de cunho social, fazendo uma espécie de reforma agrária do ar”, comentou.
A jornalista explicou que o conceito de rádio comunitária no Brasil é muito diferente do observado em outros países, e deu ênfase às dificuldades impostas a essas rádios por conta das leis de comunicação no país. “Aqui, as mídias comunitárias são PPPs – pequenas, pobres e poucas – a exemplo do que acontece com outros movimentos sociais no Brasil”.
Gilka Rezende ressaltou desafios das rádios comunitárias/Foto: Mayara Mendes |
Ela também criticou o fato de muitos políticos possuírem concessões de rádios comunitárias que não atuam conforme sua proposta original. Outro aspecto duramente combatido por Gilka foi o movimento de criminalização desses veículos e o baixo alcance concedido a eles por parte do governo. “É inaceitável o fato de as rádios comunitárias possuírem o alcance minúsculo de 25 watts. E não é raro vermos o fechamento desses veículos. Por questões meramente burocráticas, prisões e apreensão de equipamentos são práticas frequentes”, condenou.
Lívia Duarte afirmou ser possível se sustentar com trabalho em mídia alternativa: "Vivo assim desde 2008" /Foto: Mayara Mendes |
Das rádios comunitárias ao trabalho em ONGs
A atuação na Pulsar Brasil também fez parte da fala de Lívia Duarte. Embora até pouco antes de deixar a universidade ela não imaginasse que pudesse viver do trabalho em mídias alternativas, foi exatamente esse meio que ofereceu a ela as primeiras oportunidades na carreira.
“Eu sempre me imaginei trabalhando em um grande jornal ou revista, conforme a trajetória de tantos outros alunos formados na UFF, mas quando eu mais precisei, foi na mídia alternativa que eu recebi uma chance de emprego. Na Pulsar eu pude trabalhar com um tipo de jornalismo que sempre quis e admirei. Então, se me perguntarem se dá para viver do trabalho na mídia alternativa, eu direi que sim, pois eu vivo assim desde 2008”, revelou.
Já na ONG Fase, Lívia é a única jornalista que atua na organização e, por isso, uma de suas principais atividades é reforçar a importância da comunicação no grupo. “É preciso mostrar a relevância do trabalho de jornalistas em ONGs, assim como acontece em empresas. A especialização das fontes é algo que precisa acontecer para todos os lados.” Além de produzir reportagens na Fase, e trabalhar como assessora de imprensa da instituição, a jornalista atua também na articulação política com comunicadores do Brasil inteiro que trabalham com temas de relevância social.
“Eu acho que o jornalista que se coloca na mídia alternativa acaba se tornando obrigatoriamente um profissional múltiplo. Logicamente, isso também tem um lado negativo, pois acaba prejudicando que nos especializemos, mas o meu trabalho não se torna menos gratificante em função disso”. Lívia ainda propôs que uma das formas de atenuar as dificuldades de ONGs e mídias alternativas para a produção de conteúdo seria a realização de um financiamento múltiplo a esses grupos, com uma diversidade de grupos apoiadores, integrando público, governo e empresas.
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