terça-feira, 19 de novembro de 2013

‘Redes, Ruas, Mídias: Revolta e Reação’ debate simbolismo de protestos e crise de representatividade política e midiática


Postado As:  05:18  |  Em:  

Gabriel Oliveira


Segunda edição do "Redes, Ruas, Mídias" contou com auditório lotado para debate de assuntos que estarão também no próximo Controversas/ Foto: Bruno Sarmet 


Discussões sobre o crescente descrédito de instituições como governo, polícia, imprensa hegemônica e movimentos sociais marcaram a segunda edição do seminário “Redes, Ruas, Mídias: Revolta e Reação”. O tema do evento foi “Crise da Representação Política, Assembleia Constituinte, Reforma e outras questões”, e mobilizou alunos e professores, que lotaram o auditório Macunaíma do Instituto de Letras da UFF. Muitos dos temas abordados estarão em pauta também no Controversas, como democratização da mídia e formas alternativas de financiamento para coberturas jornalísticas.

O ciclo de debates, promovido pelo Departamento de Comunicação da UFF, foi realizado no dia 22 de outubro. Compuseram a mesa do seminário a jornalista e professora da UFF, Sylvia Moretzsohn, o cientista político e professor de Relações Internacionais da UFF, Eduardo Heleno, o filósofo e professor de Direito da UFRRJ, Alexandre Mendes, e as mestrandas do Programa de Pós-Graduação em Mídia e Cotidiano da UFF e ativistas do coletivo de mídia Rede Alternativa, Camille Perissé e Natália Kleinsorgen. A mediação foi feita pela publicitária e professora da UFF Ana Paula Bragaglia.

Camille Perissé comentou que a crise de representatividade das grandes corporações midiáticas já era percebida por alguns grupos pouco antes da popularização da internet, mas ressalvou que a parcela da população que questiona a veracidade das informações divulgadas pelas empresas jornalísticas ainda é pequena. Ela também relatou que houve uma mudança de percepção sobre a imprensa por aqueles que participaram das manifestações iniciadas em junho. 

“Muitas pessoas que integraram os protestos começaram a notar que as coberturas jornalísticas não correspondiam ao que estava realmente acontecendo”. A estudante considera o boicote ao trabalho de jornalistas de grandes jornais e emissoras de TV como uma expressão legítima do descontentamento dos ativistas com essas empresas. “Havia de fato tentativas de impedir o trabalho desses repórteres, o que consistia inclusive na depredação de carros e demais equipamentos utilizados nessas coberturas. Acho que antes de julgarmos e rejeitarmos esse tipo de atitude, rotulando as pessoas que fazem isso como vândalos, nós devemos tentar entender as motivações e o significado ideológico por trás dessa postura”, acrescentou.

Camille Perissé e Nathália Kleinsorgen ressaltaram inexistência de hierarquia na mídia alternativa/ Foto: Bruno Sarmet 
Natália Kleinsorgen explicou que o debate ético a respeito das coberturas feitas pela Rede Alternativa está sempre em pauta, em função das diferenças de seus integrantes. “Há aqueles que acreditam que uma cobertura adequada deve apresentar o mosaico de vozes relacionadas a um fato, enquanto outros defendem a apresentação do lado dos acontecimentos que não é abordado na grande imprensa, pois esse posicionamento já exerceria um papel importante na elaboração de um contra discurso”, argumentou. 

Natália destacou também que há grandes dificuldades para coberturas com uma variada gama de vozes, pois os veículos alternativos dispõem de poucos recursos financeiros e humanos. “Além de faltar dinheiro, há pouca gente disposta a trabalhar conosco e mesmo as pessoas que trabalham não têm muito tempo para dedicar às nossas coberturas. Temos muito mais dificuldades no acesso a uma fonte oficial do que repórteres de grandes jornais ou emissoras de TV, por exemplo”. A midiativista ressaltou ainda que uma das principais características do trabalho em rede é a inexistência de hierarquia. Ela afirmou que há somente uma divisão de funções entre os membros da equipe, o que reflete o caráter colaborativo do grupo.

Sylvia Moretzsohn criticou a postura de violência
 contra a imprensa hegemônica: "Lógica de milícia"/
Foto: Bruno Sarmet
Opondo-se ao posicionamento de Camille e Natália, Sylvia Moretzsohn condenou o impedimento do trabalho de jornalistas da grande mídia. No momento do debate com o público do evento, ela criticou o fato de tanto as mídias alternativas quanto alguns grupos de manifestantes usarem a violência como ferramenta de intimidação a repórteres, fotógrafos e demais funcionários da imprensa tradicional. 

“É alarmante perceber que um grupo se considera no direito de determinar quem pode ou não estar presente em um protesto. Essa é uma maneira de determinar que o espaço público é pertencente a um determinado grupo, o que na minha opinião é uma lógica de milícia”, afirmou Sylvia. 

A professora também se posicionou contra a postura de neutralidade de alguns membros da mídia alternativa, que, apesar de não declararem apoio às agressões contra outros jornalistas, também não opõem a elas. “É preciso condenar enfaticamente o uso da violência contra repórteres. Eu nunca vi um membro da mídia alternativa ser declaradamente contra as agressões que vem sendo promovidas. Pensando desta forma, estaremos permitindo que a qualquer hora dessas um repórter seja linchado por um grupo midiativista por trabalhar na imprensa hegemônica”, exclamou.

Em outro momento do seminário, Sylvia relacionou o neoliberalismo ao endurecimento do Estado penal. Na opinião da professora, a diminuição de ações do Estado no âmbito social provoca esse efeito em que as leis punitivas tornam-se cada vez mais rigorosas e punitivas. “O neoliberalismo cria uma massa de indivíduos marginalizados e, para contê-la, cria um Estado penal forte e, invariavelmente, repressivo. Não é por acaso que nos Estados Unidos, por exemplo, o encarceramento cresceu tanto a partir dos anos 1980. O mesmo vem ocorrendo no Brasil, com os constantes projetos de endurecimento do Código Penal”, pontuou.

A respeito do tema central do ciclo de debates, a jornalista discorda do argumento de que não há representatividade em nenhum partido político. Na visão de Sylvia, ainda que minoritários e com baixa ou até mesmo nula presença parlamentar, existem partidos que refletem os anseios populares. Ela não concorda com a rejeição absoluta aos partidos, como foi visto em algumas manifestações recentes. 
“Obviamente, nenhum partido representará integralmente cada pessoa. Para que isso ocorresse, cada indivíduo precisaria criar o seu, o que é evidentemente inviável”, disse Sylvia. A professora criticou partidos que trabalham unicamente com a ideia de rejeição a tudo o que está relacionado ao governo vigente, mas mantêm muitas dessas estruturas quando assumem o poder. Para a professora, deve haver responsabilidade mesmo quando se é oposição, uma vez que existe um grupo de eleitores que se identificam com os ideais defendidos por um partido e são frustrados quando o prometido cenário de grandes mudanças, além de não se concretizar, permanece semelhante ao anteriormente combatido.

Outros palestrantes
Professor de Relações Internacionais da UFF,  Eduardo Heleno
abriu o evento com referência a pensadores/ Foto: Bruno Sarmet
Primeiro a falar no seminário, Eduardo Heleno fez uma abordagem histórica sobre as estruturas do Estado e da sociedade, e citou pensadores como Locke, Maquiavel, Montesquieu, Rousseau e Marx. O professor buscou explicar as razões que causam hoje uma insatisfação popular com as estruturas de governo atuais. Ao falar da obra “O Príncipe”, de Maquiavel, Heleno destacou a preocupação do autor com o estado das coisas, que alegava ser possível haver soberania do Estado com o controle de alguns setores específicos, como a segurança.

Ao referir-se ao pensamento de Thomas Hobbes, Heleno frisou que o filósofo acreditava ser a sobrevivência do Estado dependente de uma força de coesão baseada numa figura mítica criada por ele: o Leviatã. “Seguindo essa lógica de Hobbes, as pessoas se uniriam para evitar uma guerra civil, devido ao temor pelas consequências da própria guerra. É um pacto entre Estado e povo pautado pelo medo”, disse. 

O cientista político apresentou ainda teses defendidas por outros pensadores, como Locke, que acreditava na persuasão dos cidadãos, onde cada um deles teria direitos naturais, entre eles a propriedade e a liberdade; Mostesquieu, que não via futuro no sistema monárquico e imaginava a chegada de uma nova ordem, na qual deveria manter-se um equilíbrio por meio da divisão de poderes; e Rousseau, que enxergava na propriedade um instrumento de desigualdade. 
Professor de direito na UFFRJ Alexandre Mendes falou
sobre a crise de representatividade do poder
no cenário das manifestações/ Foto: Bruno Sarmet

Analisando o cenário político do Brasil após a reconquista da democracia e demais aspectos de nossa política, Alexandre Mendes foi o segundo a falar e lembrou que as lutas por meio dos protestos foram além do universo dos grandes centros, classificando a região da Baixada Fluminense como uma das mais prejudicadas pela falta de representatividade no Rio de Janeiro. 

O professor salientou que, historicamente, a conquista da representação política ocorreu em função de um processo de luta revolucionária, com grande uso de violência em muitos casos. Ele também ressaltou que a batalha por um regime representativo possui um caráter progressista. “Todas essas conquistas são fruto de um processo de luta anterior, hoje secular. Trata-se de um regime progressista, principalmente por incorporar, no âmbito da representação política, as classes subalternas”, acrescentou.

Mendes não considera que a onda de manifestações populares seja inédita, no atual cenário de crise de representatividade das instituições do Estado e político-partidárias. Ele destacou que houve uma crise institucional no período precedente à Assembleia Constituinte de 1988. “Nessa época, a batalha pela participação popular foi de suma importância, porque, a princípio, o Congresso Constituinte funcionava segundo as regras do regime parlamentar no âmbito da representação. O transtorno causado pela participação de muitas pessoas nesse período da Constituinte foi, na visão de muitos, fundamental para que as emendas populares fossem incorporadas e depois se tornassem um texto constitucional.”

O filósofo enxerga a crise de representação como um fator estrutural da política brasileira, especialmente no que diz respeito à política autônoma das classes subalternas. “O fato de um indivíduo pertencer a esse grupo não garante que ele vá representar os interesses históricos da classe a que pertence quando ocupar um cargo parlamentar. Por outro lado, as classes dominantes brasileiras sempre tiveram uma pronta resposta, por meio de ações militares, às situações em que os mais pobres se organizavam em torno de um movimento autônomo. Nas manifestações atuais, porém, esse amparo repressivo não tem apresentado o mesmo efeito”, afirmou.


Ao final das apresentações, o público, em torno de 100 pessoas, pode fazer perguntas aos palestrantes para o aprofundamento do debate. As indagações abordaram temas como o papel exercido pelas mídias hegemônicas e alternativas na cobertura de manifestações e os interesses envolvidos nos recortes feitos por esses dois modelos de imprensa.

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